Sim, sou homossexual. Mas então, se não fosse era o quê? Assexuada? Um ser vegetal? Não! Isso não seria possível em mim, ainda para mais sendo escritora. O estremecimento que tive em Estocolmo, pelos meus catorze anos, quando estive aqueles meses todos para tratamento da perna em casa do tio Azfelius, aquele encontro angélico e inesquecível com o príncipe estudante de Uppsala, foi a minha primeira e fantasista experiência amorosa. Eu sabia que não era assexuada. Mas os homens, na minha vida e a começar pelo meu pai, foram sempre personagens irreais. Porquê? Não sei! Não faço ideia. Não preciso de saber. Amei profunda e sinceramente Sophie Elkan e Valborg Olander. E quem não perceber isto não perceberá nunca nada sobre o ser humano. Na continuidade das observações da minha vida percebo as enormes diferenças psicológicas e comportamentais entre uma mulher e um homem. Não estou a referir a educação desde a infância que essa, é muito diferente. E ainda assim, as mulheres mantém-se numa atitude ambígua até muito tarde. Eu diria, toda a vida.
Dei muitas palestras sobre este tema, a feminilidade e sexualidade,em Landskröna no meu círculo feminista. Conto falar também aqui em Falun. Espero que Valborg me acompanhe.
A homossexualidade na Suécia, ao contrário de outros países na Europa foi sempre reprimida, não consentida até 1944, quatro anos depois da minha morte. Naturalmente, ninguém se expunha publicamente em atitudes mais ou menos reveladoras. O tempo era outro, os hábitos diferentes. No meu caso, cada uma de nós vivia no seu canto e, claro, encontrávamo-nos em locais públicos e também em nossas casas quando se proporcionava.
Por esta razão, as mais de três mil cartas trocadas entre mim e Sophie foram guardadas, por expressa e escrita ordem minha, na Real Biblioteca de Estocolmo, com a indicação de que só poderiam ser conhecidas do público cinquenta anos após a minha morte.
"Ensinaste-me a ser livre" ou a dedicatória para Sophie no livro Jerusalém - "companheira da vida e das letras" foram duas frases que revelaram, publicamente, esta relação de mais de vinte e sete anos, até à morte de Sophie.
Eu amei duas mulheres, aliás, amei três assuntos femininos, Mårbacka, Sophie e Valborg. Dei-lhes todos os meus melhores sentimentos, sofri e alegrei-me com elas. E o meu sentir apaixonado foi sempre o que tive de melhor na minha vida. Quero lá saber o que pensam de mim! Eu quis amar, dar o meu sangue interior. O meu pai percebeu-me sempre muito bem. Ele sabia e sentia tudo o que está no interior das florestas.
Eu fui uma floresta.
Cristina Carvalho em "A SAGA DE SELMA LAGERLÖF" , págs 136 e 137.
Uma edição de Relógio D'Água ( Outubro 2018)
À venda em todas as livrarias
Selma Lagerlöf viveu entre o dia 20 de Novembro de 1858 e o dia 16 de Março de 1940. Foi a primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel de Literatura no ano de 1909; a primeira mulher convidada para a Real Academia Sueca, local onde só existiam homens desde 1786 e onde ocupou o lugar número 7; a primeira mulher a ter um doutoramento honoris causa na Universidade de Uppsala.