NATÁLIA NUNES (1921-2018)
Romancista, dramaturga, ensaísta e tradutora, Natália Nunes é uma antifascista da Resistência, autora de vasta obra literária, a quem a crítica assinala um “sentido do intimismo e do confessional, do mistério e da solidão, herdado em grande parte da geração presencista”, acrescentando-lhe a ”temática feminina e de intervenção social, já próxima do neo-realismo” (1). É uma mulher com espírito racionalista, metódico, (mas) a sua prosa está eivada de poesia.
Fez parte da última Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores (1965) e da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores (1978-79). Numa entrevista ao jornal Expresso, em Junho de 1998, dizia «Não sou nem nunca fui política mas sempre defendi ideais sociais. Na minha vida privada, o tema político está sempre presente, com uma tão grande preocupação que chega à angústia».
1. Nasceu em Lisboa, a 18 de Novembro de 1921, mas passou parte da infância em Oliveira de Frades (Vale do Vouga) e morou em Coimbra, de 1950 a1956. É irmã do artista plástico António Alfredo, um destacado antifascista (2) e viúva do professor Rómulo de Carvalho (poeta António Gedeão) com quem casou (1945) e teve uma filha, a escritora Cristina Carvalho.
Fez os estudos liceais no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho e foi na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas (1948).
Depois de em 1956 ter tirado o curso de Bibliotecário-Arquivista na Universidade de Coimbra, trabalhou como Bibliotecária, durante alguns meses, nas Bibliotecas da Ajuda e Nacional, 1956-57; foi Conservadora do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1957-68, e Bibliotecária na Escola Superior de Belas-Artes, 1968-87.
Estreou-se literariamente em 1952 com a obra Horas Vivas: Memórias da Minha Infância. Neste seu primeiro livro, a escritora põe-nos perante as vivências de uma menina entre os 7 e os 10 anos; fala-nos da escola daqueles tempos na província, e reflecte o ambiente quase medieval, dessa altura na Beira Alta, onde Natália Nunes fez a maior parte da instrução primária (3).
Colaborou em diversas publicações: jornais Diário Popular, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, O Primeiro de Janeiro, JL; revistas Seara Nova e Vértice, por exemplo; e na rádio, com uma série de palestras sobre "Os símbolos dos partidos políticos".
Entre as suas obras de ficção destacam-se os romances Autobiografia Duma Mulher Romântica e Assembleia de Mulheres.
A sua produção ficcional revela-se como uma boa fonte para se conhecer certas realidades. A experiência de vida de Natália Nunes é levada para alguns dos seus livros, ajudando-nos a conhecer instituições (a escola, por exemplo) e a entender as relações pessoais e sociais de uma época. Em alguns dos livros a escritora reflecte um manifesto interesse pelo ensino, pela instituição escolar e pela sociedade, em geral. O Regresso ao Caos (1960), com vários episódios sobre o ensino, foi - segundo a autora - muito influenciado pela vida do irmão, António Alfredo, quando jovem. (4)
No livro As Velhas Senhoras e outros contos (1992), a escritora abordou temas como a loucura [por exemplo, nos contos Ao menos um hipopótamo, Clastomina, Micolina, entre outros]. Chegou a pensar ser psicóloga, ainda fez um curso no Hospital de Santa Maria, na clínica psiquiátrica de mulheres, cujo director era o Prof. Barahona Fernandes (5).
2. Em 1977 recebeu o Prémio da Associação Portuguesa de Arquivistas e Documentalistas.
Em 2002, Natália Nunes entregou à Biblioteca Nacional o espólio de seu marido.
De uma entrevista dada pela escritora a Luís Souta (Instituto Politécnico de Setúbal), nesse mesmo ano, e publicada no Jornal A Página da Educação ONLINE com o título “Nas obras de cada escritor há experiência vivida”, retirámos estes excertos:
«Depois do 25 de Abril, os jornalistas e os críticos passaram a perguntar descaradamente aos escritores "Ouça lá, isto é autobiográfico?" Eu acho que isto é a transplantação do espírito de bisbilhotice de vizinha, para o jornalismo. Não há escritor que possa afirmar que nas suas obras não haja experiência vivida, mas não há só isso. O escritor, porque é imaginativo, ao viver já está a ficcionar e ao ficcionar já está a viver. Entra no chamado jogo dos possíveis: vemos vários caminhos, escolhe-se um deles que, depois, se preenche com pequenas coisas da vida quotidiana, a nossa ou a dos outros. A ficção é feita disso, da nossa vida, com as suas frustrações, os seus projectos, sonhos, desejos, êxitos e malogros. Os nossos e os dos outros, adivinhados ou sabidos.»
«Quanto às vivências infantis e juvenis ainda não estão completamente "esgotadas". Mas não sei até que ponto as poderei retomar porque o tempo vai passando e não sei quanto terei ainda de vida»
«Nós temos projectos que nunca se realizam, porque vêm outros que nos exigem mais ou porque a vida não deixa. A vida não nos deixa fazer muitas coisas.»
3. OBRA PUBLICADA
FICÇÃO
1955 - Autobiografia de uma Mulher Romântica, romance, (reeditado em 1966)|1957 -
A Mosca Verde e Outros Contos|1960 -
Regresso ao Caos, romance|1964 -
Assembleia de Mulheres, romance (reeditado em 1997)|1967 - O Caso de Zulmira L. , novela|1967 -
Ao Menos um Hipopótamo, conto (com desenho Lima de Freitas e introdução de José Saramago)|1970 -
A Nuvem. Estória de Amor|1973 -
As batalhas que nós perdemos|1985 -
Da Natureza das Coisas (contos)|1992 -
As Velhas Senhoras e Outros Contos|1996 -
Louca por Sapatos (conto incluído em Contuário Cem)|1997 - Vénus Turbulenta, romance||1970 -
Cabeça de Abóbora (Teatro).
Memórias e Viagens
1952 - Horas Vivas: Memórias da Minha Infância|1956 -
Uma portuguesa em Paris|1981 -
Memórias da Escola Antiga
ENSAIOS
1954 - Apontamentos sobre o pensamento ético de Dostoievski, in Vértice nº134|1955 -
A metafísica de Húmus de Raul Brandão, in Vértice nº146|1956 -
Da criação e organização de um instituto de Ciências Pedagógicas, in Vértice nº159|1958 -
Frei Pantaleão de Aveiro e os judeus, in Vértice nº179-179|1960 -
Uma colecção documental histórica de incomensurável valor, in Seara Nova|1974 -
As Batalhas que Nós Perdemos, Estudos sobre as obras de Augusto Abelaira, José Cardoso Pires e Raul Brandão|1976 -
Confrarias, Irmandades, Mordomias. Inventário e estudo da informação histórica contida em Livros de Registo Paroquial Existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo|1997 -
A Ressurreição das Florestas, Estudos sobre a obra de ficção de Carlos Oliveira|2001 -
Carácter humanístico e filosófico da Poesia de António Gedeão, in Pedra Filosofal –
Rómulo de Carvalho / António Gedeão|2004 -
Notas Introdutórias a Obra Completa de António Gedeão|2006 -
Apontamentos para um estudo da assinatura do poeta António Gedeão, in António é o meu nome
TRADUÇÕES
1960/61 - Dostoievsky, Obras Completas, vol. I, II e IV, Edit. Aguilar, Rio de Janeiro;|1960/61 -
L. Tolstoi, Obras Completas, vol. I e II, Edit. Aguilar, Rio de Janeiro;|1964 -
Konstantin Simonov, Não se Nasce Soldado, Ed. Arcádia;|1966 -
Elsa Triolet, Jamais, Portugália Ed.;|1967 -
Violette Leduc, A Bastarda, Portugália Ed.;|1968 -
Balzac, Pequenas misérias da vida conjugal, Portugália Ed.;|1968 -
Roger Portal, Os Eslavos. Povos e Nações, Ed. Cosmos.
Notas:
(1) Dicionário de Literatura Portuguesa, Org. e Dir. de Álvaro Manuel Machado, Ed. Presença, 1996, Lisboa.
(2) António Alfredo era um artista de renome que, nas décadas de 50 e 60, teve grande projecção em Lisboa, pela capacidade de inovação e grande criatividade, quer na sua obra em decoração e arquitectura de interiores, quer em publicidade.
(3) «Comecei a escrever as Memórias da Minha Infância num impulso de registar coisas, e depois saíram umas memoriazinhas, incipientes, (…). E não me arrependo de ter escrito esse livro. Hoje fá-lo-ia mais completo. Os outros livros (romances, novelas e contos) são histórias que aconteceram ou que podiam ter acontecido. Acho que a ficção é um jogo de possíveis, mas a minha profissão não influenciou em nada a minha vocação de escritora. Os arquivistas, geralmente, não são historiadores. Mas se há no que escrevo um carácter histórico, isso é uma propensão natural». – Natália Nunes em entrevista à Página da Educação ONLINE.
(4) «Isso passa-se com todos os escritores. Há uma parte de nós que não é nossa, é a da sociedade em que vivemos, e que está inserida na literatura que fazemos. Nós vivemos numa época, somos influenciados por ela e isso reflecte-se na nossa obra.»
Biografia da autoria de Helena Pato, a partir de:
Retirado do grupo Antifascistas da Resistência (autoria Helena Pato)